28.5.06

Carta ou (de novo) a volta

Conferindo a lista de textos que tenho deixado pela internet afora, percebo que desde março não faço algo decente, devidamente assinado por mim ou que o valha. Não que eu tenha sentido falta, muito menos que alguém além de uma pessoa tenha passado e-mail reclamando o sumiço. Até porque as pessoas de todo-dia sabem que foi preciso mais um tempo, de outro tempo, para submergir outra vez em mim mesmo e de lá voltar somente quando tudo parecesse melhor.

Ou melhorado, ou acostumado. Ou ainda transformado. Acontece que hoje, domingo, nessa leva de filmes que a gente sempre acaba assistindo, pus no dvd as Filhas do Vento. Altamente recomendável, principalmente para quem (como eu) é mineiro. No filme duas atrizes (uma delas a Ruth de Souza, a outra agora não lembro o nome) falam o texto abaixo:


A lista de mortos da gente vai aumentando com o tempo.
Quando eu era pequena não tinha noção desse morre, nasce...
Tudo durava tanto, e a vida não faltava.
A vida era pontual como os quintais, as goiabeiras ali
Todo dia ali existindo.

Eu não tinha a mínima noção desse vaivém,
Desse revezamento da humanidade.
Quem vai para o saque, quem sai do jogo,
Quem é escalado, quem vai para a reserva.
Agora não.

Agora morreu Tião Sá, o filho do Joelson,
Fellini, Grande Otelo, Glauber, Milton Santos
E tantas mil gentes engrossando a fileira da bola fora.

Deus, com certeza, ri. Não de sarcasmo
Mas pelo costume de ver passar as boiadas.
De olhar para elas despencando na curva final das planícies...

Pra onde? Só Deus sabe.
É por isso que Ele ri.



Daí que depois de uma coisa tão linda e simples deu vontade enfim de voltar a escrever, nem que seja para copiar esse poema que não-sei-quem escreveu e publicar por aqui. Eu estava era sem vontade mesmo; sem tempo também porque a vida me pediu uma parcela de luta em que os dias tinham 30 horas úteis. Mas principalmente sem vontade, um tempo sem conseguir organizar bem os pensamentos.

Nesse período perdi meu pai (tem exatos quinze dias isso) após três anos de um tratamento doído. Ainda estou na fase de reorganizar os sentimentos. E principalmente entender que alguns detalhes cotidianos (como ele atender ao telefone e eu sempre insistir em falar com a minha mãe) não vão mais se repetir. Tudo acaba se ajeitando, e daqui umas mudanças de lua consigo falar claro sobre isso. Torço até para breve conseguir entender o que eu realmente sinto por ele.

Uma coisa, só uma, já entendi: cresci. Porque vou dormir com pensamentos angustiados iguais aqueles de adultos que querem uma vida melhor, porque me preocupo com coisas que eu antes nem sabiam que existiam, porque quero um tipo de conforto que antes não me fazia falta, porque passei a não ter medo de morrer, para no instante seguinte voltar a temer só porque sinto que ainda não cumpri tudo o que devia. Até lá escrevo. E até lá, quem passar por aqui, ou por algum outro canto que eu esteja, lê.

Um abraço a todos,

10 Comments:

At 22:47, Anonymous Anônimo said...

Belico,

o tempo traz todas as respostas... é o grande segredo e a grande verdade! A sabedoria nasce do silêncio... e a felicidade brota como consequencia das descobertas...

Fico feliz em saber que seu processo introspectivo tenha lhe trazido tantas respostas e tanta serenidade...pra encarar a vida, pra entendê-la melhor!

 
At 22:50, Blogger Clarice said...

lindos.
o poema, seu texto, você.
e um texto melancólico, triste, mas que me deixou feliz, por perceber que você está bem dentro das possibilidades. crescer dói, mas é bom. viva seu luto, organize suas idéias, faça seus planos e não se esqueça (isso eu nunca vou deixar de repetir) que estou com você pro que der e vier, sempre. e muitas boiadas ainda hão de passar...

 
At 23:34, Blogger Camafunga said...

Te encontrei por acaso num desses multiplicadores da internet, e, desde então, és um contato frequente de conversas e convívio virtuais, ja li muita coisa que escreveste, mas foi nas trocas que aprendi outras culturas, próximas mas aprimoram a que carrego. Já ri de tuas bobagens, como também tentei te aliviar com as minhas; música, receitas, autores, fotos e um bom ouvido, no entanto, não seriam suficientes nesta hora. Sei que é certo teu retorno, como dira minha avó, a seu tempo, quem sabe um amigo mais, ou menos, amadurecido,não importa, mas a quem eu possa continuar dizendo: "Fica bem!" e saber que fica.

 
At 23:46, Anonymous Anônimo said...

eu tenho uma coisa (mania, ou sei lá o que) que às vezes me faz escrever montes sobre uma bobagem qq e outras vezes me faz ser bem direta. acho que qdo estou confusa sobre algum assunto desando a escrever ou falar. qdo sei o que penso ou quero mesmo dizer, uso poucas palavras.
o que eu quero dizer é mais ou menos o que as pessoas aqui em cima de mim já disseram: que eu achei seu texto lindo, mesmo que triste; que admiro vc e seu jeito/seu tempo de escrever; que estou aqui, às vezes confusa, às vezes lúcida. e vc pode me chamar a hora que for.

 
At 11:55, Anonymous Anônimo said...

eu adorei. e nao vou falar mais nada além disso. vc sabe que eu te amo! e MUITO! :)

 
At 11:59, Blogger Stupid Guy said...

"É Simba, esse é o grande ciclo da vida!".
Bjos!

 
At 12:35, Anonymous Anônimo said...

Oi Marcelo!
Que bom que você voltou a conseguir expressar o que vai no seu coração através do seu teclado...
Outra coisa, lembre-se que o tempo passa e leva tudo, até a dor.
Abração!

 
At 14:07, Anonymous Anônimo said...

Dê tempo ao tempo, como dizem por aí. Que qdo vc menos esperar as coisas se ajeitaram, mesmo que seja de uma maneira inesperada! =D
Naoto

 
At 14:28, Anonymous Anônimo said...

Na última vez que tentei "criticar" - na verdade avaliar o texto de um amigo - não fui muito feliz. Fiquei na dúvida se não usei as palavras certas ou se as palavras não foram certas para a satisfação dele. Fazer o quê? Enfim, essa introdução serve para me garantir o direito de não ser mal interpretado, pois em relação ao seu texto, uma palavra resume minha opinião: libertário. Lógico, como sou pessoa de complemento, também digo que, fiquei feliz por seu primeiro texto de volta tratar de temática tão delicada para você neste contexto. Ousadia é isso aí, enfrentar os demônios. Melhor ainda quando a gente o faz com tanta sutileza. Gostei da cadência das idéias. Tenho que admitir, o começo não me conquistou, mas depois da poesia apropriada, tudo já estava diferente. Um beijão do Giba de Brasília.

 
At 14:19, Anonymous Anônimo said...

Oi Marcelo,
depois de alguns anos resolvi googlar odisseia2004 e vi que tantas coisas aconteceram...
Bom... desejo que voce possa continuar dividindo seu mundo atraves do blog.
Ah poesia, eh da Elisa Lucinda... linda como a maioria do que ela escreve... no mesmo cd/livro tem uma outra linda chamada Poema da Geladeira.
ABraco
Ivan

 

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